segunda-feira, 1 de junho de 2009

O CENÁRIO DA INDISCIPLINA PELO PROF WAGNER JARDIM - PALETRANTE E ESCRITOR



















O CENÁRIO DA INDISCIPLINA PELO PROFESSOR/PALESTRANTE E EDUCADOR WAGNER JARDIM

As escolas estão vivendo um momento crítico, principalmente na questão da disciplina. Tal situação já persiste, e vem se agravando, há quase duas décadas ou mais, como podemos acompanhar pelos estudos e pesquisas levados a efeito nas mais diversas instituições acadêmicas do país.
De um lado, posso dizer que na escola são vividos os problemas sociais: a sociedade está atravessando um período de turbulência no que diz respeito à violência, ao medo que se faz presente diuturnamente em todos os aspectos da vida social, haja vista que os meios de comunicação, em particular na propaganda eleitoral, anunciam que há, diariamente, 47 pessoas mortas, no país, em situações de violência, o que se traduz num aumento excessivo da criminalidade, a ponto do Brasil atingir o mais alto índice do mundo no que diz respeito aos países que matam com arma de fogo. Nesse cenário, a escola procura dar conta de seu papel de formar o aluno, preparando as novas gerações para exercer o comando da sociedade.
Vários dispositivos legais são criados para fazer funcionar regras e leis como garantia de uma retaguarda ao desenvolvimento da criança.
No entanto, a escola não está conseguindo dar conta dessa atribuição como deveria. Está descaracterizada; perdeu o eixo: conhecimento, tradição. E isso está causando um mal estar nos professores que se sentem impotentes frente a estas demandas; têm que preparar o aluno para a vida, fornecer-lhe as ferramentas/conhecimentos com que poderá atuar para conduzir a civilização.
Há a idealização de um futuro sem referências ao passado, sem uma aposta na criança. E,frente à magnitude do dever e falta de embasamento no passado, vê-se impedido de ensinar, vê-se em escolas que não conseguem segurar o aluno dentro da sala de aula, muito menos despertar e manter seu interesse pelos conteúdos curriculares específicos.
De outro lado, percebemos claramente que as medidas adotadas não têm atingido o âmago da questão, agindo mais como paliativo, para acalmar os ânimos no momento das ocorrências de indisciplina.
Indisciplina que, na atualidade, se apresenta não mais como um evento específico e esporádico, mas como um dos mais graves e generalizados obstáculos pedagógicos ao trabalho educativo com alunos de todas as idades.
No artigo “A criança, “sua” (in)disciplina e a psicanálise”, publicado no livro “Indisciplina na Escola – Alternativas Teóricas e Práticas”, o professor Leandro de Lajonquière registra que “o mal da educação atual não seria apenas um mas dois, pois acrescenta aos problemas de aprendizagem a denominada indisciplina escolar”. Questão que se apresenta com uma série de produtos bastante díspares que vão desde os desentendimentos mais corriqueiros de se recusar a emprestar um simples material escolar ao colega, ao cúmulo de destratar e ofender professores, seja com palavras, seja com atos agressivos, como jogar bolas de papel em suas costas enquanto o professor escreve na lousa, colocar cola ou alfinetes em sua cadeira, acomodar a lata de lixo sobre a porta, a fim de que o conteúdo caia sobre o professor quando este adentrar a sala para ministrar sua aula. Destaque-se, ainda, os extremos de agressões físicas entre alunos e alunas durante as aulas, com professores dentro da classe, a destruição de cortinas e vidros da sala de aula, além dos armários e materiais escolares de outras turmas que ocupam a mesma sala em outro(s) período(s). A regra geral tem sido os alunos “não estarem nem aí” a cada aula e o professor precisar conquistá-los numa relação franca, amistosa, cordial. Perdeu-se a noção de que a posição mais elevada na hierarquia escolar é ocupada pelo conhecimento e não pela simpatia do professor. E relação que flui é impossível quando alguns perturbam a aula o tempo todo e até impedem os outros de assistir a essas aulas. Tais alunos competem pelo lugar do professor, impedindo os demais de prestarem atenção e serem bons alunos.
Concordo plenamente com o professor Lajonquière quando diz, no mesmo artigo, “que o limite entre os problemas de aprendizagem e os de indisciplina torna-se um tanto difuso – alguns comportamentos infantis ora são considerados sob uma rubrica, ora sob a outra (...) afirmando que) embora de uma forma não manifesta, há de fato no imaginário escolar um amálgama entre aprendizagem, disciplina e maturação psicológica. Mais ainda, lembrando a tese freudiana a propósito da eficácia do recalcado, talvez possamos dizer que essa trilogia produz efeitos no interior do campo pedagógico, na medida em que opera implicitamente”.
Também causa estranheza o fato de que, quando a escola tem que justificar a reprovação de aluno que entrou com pedido de recurso na diretoria de ensino, a fim de anular a referida reprovação e ser promovido para a série seguinte mesmo sem dominar os conhecimentos mínimos indispensáveis para a continuidade de estudos, não se poder sequer citar problemas disciplinares que prejudicaram o aproveitamento desse aluno, relacionando apenas questões de aprendizagem, como se estas estivessem totalmente separadas daquelas.
Nestes casos, muitas vezes, a diretoria de ensino aprova o aluno que a escola reprovou alegando motivos irrelevantes, como o preenchimento incompleto ou insuficiente dos diários de classe por um ou mais professores, onde não está explícito que deram oportunidades de recuperação àquele aluno.
Com isso, o discurso pedagógico hegemônico premia alunos que não têm condições de acompanhar o conteúdo da série seguinte, sem perceber, será, que está prejudicando a construção do conhecimento desse aluno e da classe em que ele freqüenta as aulas, bem como que está desvalorizando os professores e a escola. Acrescente-se, ainda, que os reflexos da perda de recurso de alunos se fazem sentir por muito tempo no trabalho docente, uma vez que o professor, geralmente, fica inseguro e com medo de reviver a situação constrangedora. Em conseqüência, nos anos seguintes, aprova alunos sem condições, ou seja, que não dominam os conteúdos mínimos indispensáveis para a série posterior.
Os educandos, por sua vez, sentem-se “amparados” pela legislação, e reforçam as atitudes negativas de falta de estudo, de atenção, de disciplina.
No entanto, a escola não pode abrir mão da sua responsabilidade quanto à disciplina que, realmente, é um problema bastante complexo, pois envolve a formação da consciência do sujeito, de seu caráter e da cidadania.
Considerando a questão da organização do trabalho coletivo em sala de aula objetivando realizar a construção do conhecimento, podemos dizer que a disciplina que marcou a educação até os anos de 1980 deixou de ter sintonia em relação aos comportamentos dos tempos atuais, pois sabemos que cada época tem sua maneira própria de manifestar seus sintomas. O que muitos alunos de hoje fazem é desafiar os professores, provocá-los, considerando-se vitoriosos por conseguirem que estes não dêem adequadamente suas aulas.
Ocorrências nesse nível se dão, principalmente, em escolas que têm fama ruim, abrigando/atendendo alunos que não se deram bem em outras instituições. Eles já entram com uma auto-imagem negativa, agredindo/odiando a escola que os acolhe.
E, se as regras não são aplicadas, se a escola desculpa demais os alunos, argumenta excessivamente com eles sobre o regulamento, mas não exige seu cumprimento, esses alunos perdem as referências, os limites, e a violência aumenta, como algo que se retroalimenta.
Geralmente as escolas mais permissivas, que mais “escutam” os alunos, negociam, são também as mais violentas, como se pode apreender de pesquisas recentemente realizadas. Isso não quer dizer que os alunos não devam ser ouvidos em sua condição de estudantes, de sujeitos em formação. O que não dá é para seguir tudo o que dizem/reivindicam como se fossem ordens a serem cumpridas. Ouvir é uma coisa. Seguir a direção que eles querem impor é outra. Não se pode perder a autoridade legitimada pelo conhecimento.
Neste ponto, é importante considerarmos que faz parte do desenvolvimento dos alunos ir contra o professor e a escola; desafiá-los. Escola e professores é que precisam estar cientes de que os alunos estão num exercício de diferenciação, buscando autonomia, e agir de forma a explicitar a situação, evitando revolta ou apatia, o que é muito importante e revela maturidade. O oposto pode instalar revolta ou apatia dissonantes, o que, em ambos os casos, não deixa o trabalho da escola avançar.
O que o conjunto da sociedade, em especial dos educadores, deseja é uma disciplina ativa e consciente, marcada pelo respeito, responsabilidade, construção do conhecimento, interação, participação, formação do caráter e da cidadania. E isto começa em casa, com os pais, que têm que transmitir o saber fazer à criança.
Eles são os primeiros modelos. Se tomarmos o quadro dos últimos dez, quinze anos, muitas medidas têm sido adotadas, como a promoção automática, salas de apoio pedagógico, aulas de recuperação no contra-turno, encaminhamento de alunos para serviços psicopedagógicos, etc, e nem por isso constata-se melhora no panorama disciplinar que, ao contrário, agrava-se, pois a maioria das medidas tomadas não está produzindo os efeitos desejados. O que ocorre é que, cada vez mais, estamos nos afastando do eixo: conhecimento.
Há alguns anos atrás, quando se convidava/obrigava um aluno a transferir-se da escola, os outros ficavam assustados/temerosos e a disciplina da instituição melhorava, pelo menos por um tempo. Hoje não é bem assim. Essa medida banalizou-se. Alunos e pais acham que têm o poder de reverter todas as decisões da escola, pois muitas vezes conseguem mesmo. Nesse ponto, há que se considerar que quando a escola decide qual aluno pode ficar e qual não, está fazendo a posição da lei encarnada, da mãe onipotente que diz: aqui essa criança não cabe. E a escola acaba assumindo um poder grande demais.
No entanto, uma coisa é a autoridade do professor e da escola, com base no conhecimento e na tarefa educativa, outra coisa é o autoritarismo. A autoridade é algo da própria estrutura do encontro entre um adulto e uma criança. Já se essa autoridade for fundada sobre bases ilegítimas, conduz ao autoritarismo e à injustiça.
Devo considerar, no entanto, que negar a autoridade em nome de igualdades forjadas conduz à hipocrisia nas relações humanas. Yves de La Taille em seu artigo “Autoridade na Escola”, publicado no livro “Autoridade e Autonomia na Escola – Alternativas Teóricas e Práticas”, diz que os dois perigos estão no campo da educação e que, “por exemplo, se a escola negar toda e qualquer capacidade de discernimento e singularidade intelectuais aos alunos, ela se arvora o direito de arbitrar indiscriminadamente sobre cada uma de suas condutas – eis o autoritarismo – e, em caso de fracasso por parte deles, longe de questionar suas pretensões e seus métodos, ela incrimina aqueles que `fogem da norma`: são indisciplinados, preguiçosos, retardados – eis a injustiça. Todavia, se a escola negar que a relação professor/aluno é, por definição, assimétrica, uma vez que o primeiro sabe coisas que o segundo deseja ou precisa conhecer, ela, em nome de um igualitarismo de bom tom, paralisa-se e, por conseguinte, paralisa os jovens que a freqüentam.” Então devemos evitar o autoritarismo, combatê-lo, mas lutar pela autoridade no processo educativo, na família e na escola.
Parece que não estão sendo tomadas as medidas adequadas, ou seja, mudam-se regras e regimentos, enfatizando a punição, quando deveriam ser incentivadas outras medidas, como fortalecer o corpo docente, instrumentalizando-o através de cursos/estudos/capacitação constante e adequada. Além de medidas legais coerentes, que não aprovem alunos sem condições.
É preciso que a escola cumpra seu papel de formadora e disciplinadora, que seus referenciais estimulem o jovem a não ir para a indisciplina, que ele se sinta respeitado e apoiado para retribuir com respeito e adesão. Há que se olhar para os casos de insucesso para se aprender com eles. Há que se olhar para os casos clínicos, para a teoria psicanalítica e aprender com ela, e procurar recuperar o papel da escola e a autoridade do professor, ao invés de inventar mil programas que não dão certo, mas dão gasto do ponto de vista econômico e produzem desgaste impressionante para e no professorado.

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